sexta-feira, 12 de abril de 2013

O mistério do livro "A Metamorfose"

É, eu sei. Parece que o título foi escrito por uma criança de 7 anos de idade. Porém é mais ou menos o que senti quando me deparei com o que ganhei ontem à tarde. Vou contar a história: 

Eu estava cochilando na minha cama enquanto ainda tinha minutos do meu horário de almoço (faço home office). Minha irmã entrou sem bater na porta, para variar um pouco, e eu tomei um susto. Ela trouxe um envelope amarelo, daqueles comuns, tamanho A4, e perguntou o que tinha dentro. "Sei lá, ué. Vou abrir!". Rasguei sem jeito o papel e retirei de lá um livro laranja. Corri os olhos para o título e li "A Metamorfose", de Franz Kafka. Tateei a aspereza quadriculada do objeto fino, prestei atenção aos detalhes da forma das imagens repetidas na capa e vi uma fitinha amarela, marcada nas páginas 38 e 39. Após visualizar alguns detalhes do presente confuso, peguei novamente o envelope e constatei que tinha lá um adesivo com as informações do destinatário, com meu nome e sobrenome, endereço completo e CEP. Não tinha remetente.

Agora não lembro exatamente se o recado que encontrei estava dentro do livro ou dentro do envelope, só sei que a pessoa que enviou "A Metamorfose" escreveu para mim em um papel branco, cortado um pouco mais da metade. Foi imprimido e digitado, então não tenho ideia da grafia. A forma como falava também não era nada familiar. Depois de ler o que o texto dizia, me senti em um filme. Daqueles em que acontece algo surreal e você tenta achar os porquês de tudo. Olhei para meus lados e minha primeira suspeita foi minha própria irmã. Eu disse algo como: "Vai, fala logo. Comprasse aonde esse exemplar?". Mas ela jurou não ter feito nada. Ela só achou o livro no 4º degrau das escadas da nossa casa (moramos no 1º andar), quando chegou da escola. Estranho, muito estranho, pensei. Começamos a tentar desvendar as características das pessoas que poderiam ter feito isso. De acordo com os fatos, e a cartinha digitada, chegamos às condições:
  1. É uma pessoa que sabe meu nome e sobrenome;
  2. É alguém que sabe meu endereço;
  3. Alguém que é daqui de Recife e sabe exatamente onde moro, pois o envelope não veio pelos Correios, foi deixado por alguém;
  4. Alguém que teve a ousadia de entrar no primeiro portão de casa, deixar a encomenda nas escadas, e sair de fininho, pois os vizinhos do térreo não viram nada OU alguém altamente habilidoso que jogou a encomenda através das grades do portão, e foi ninja a ponto de não rasgar o fino envelope amarelo;
  5. Alguém que quer me intrigar.
Além disso, essa pessoa já leu "A Metamorfose". Ela é um pouco egoísta, pois antes de entregar o lindo livro laranja, pensou em ficar com ele, e me pediu "perdão" por isso. Ela afirmou que o intuito dessa entrega era a existência desse pequeno mistério. Ela gosta de livros não apenas pelo seu conteúdo, mas também pela capa, existência de fitinhas marcadoras, etc. A escolha da obra foi feita por questões particulares, de preferência pela história do livro. O antigo leitor desse clássico afirmou que fazia tempo desde que lera a história de George Samsa. E por fim, ele transmitiu o significado básico que podemos esperar do conteúdo do livro, que seria ligado à metamorfose, mudança, transformação, e que isso significava evolução. Mas depois ele fala do outro sentido que eu posso descobrir, o sentido de Kafka. Eu só preciso "folhear as capas do livro laranja".

Minha extensa parte cética tenta encontrar as pessoas que podem se encaixar nas condições acima. Já falei com todas que estariam nesses filtros. Meu namorado disse que eu posso ter descoberto, mas a pessoa não quis admitir. Não descarto a possibilidade, mas continuo achando que o culpado pelo mistério ainda está no anonimato. Ao mesmo tempo, meu grande lado pessimista só está esperando alguém me sacanear de alguma forma, mas até agora nenhum pó de mico coçou minha pele, nem ninguém pegou o livro de volta. Além disso, cogitei a existência de alguma entrega aleatória, que por acaso me identificou e enviou um livro para fazer meu dia mais culto e feliz. Ou alguma seita secreta a qual buscou injetar literatura nas veias de jovens da era do Facebook, talvez.

O segredinho que vou contar aos meus amados leitores é que há uma minúscula parcela de esperança em mim. Esperança em dias melhores, pacíficos, em dias mágicos e em livros misteriosos, os quais chegam à sua casa sem passado, só futuro. Há dentro de mim algo que diz que eu ainda sou importante para o mundo, ainda importo na vida de um ou outro. Existe uma vozinha que fala: coisas incríveis e boas ainda acontecerão com você, Alien. Coisas até de outro mundo, quem sabe. 

Aí desde então sofri uma metamorfose e estou com 7 anos de novo: acredito em mágicas, e de quebra, em pessoas.







Notinha sobre as fotos: Tirei a primeira ontem, quando o Sol estava indo embora, e as posteriores hoje. Gostei dos céus diferentes, a despeito de terem sido capturados do mesmo lugar.

terça-feira, 9 de abril de 2013

"Se tu soubesse, não amaria mais ninguém"

[Conto inspirado a partir da música "Pelo Interfone", de Cícero. Convite feito pelo André, do Blog QMD]


Ainda é difícil olhar uma foto sua. Prefiro não ver. Nem ler suas emoções naqueles vídeos ébrios que ainda tenho guardado. Nem suas histórias inteligentes. Seu sorriso, enorme e cheio de dentes, parecia puro e não apresentava mal nenhum, ao menos naquela época. O seu argumento, sempre falho quando falava de si mesmo, sempre correto quando falava de quaisquer outros assuntos, faz muita falta. Não o bastante para conseguir tocar novamente seu rosto, e não pensar no mal que me fez (que me faz, esporadicamente). A dor e a amargura que ainda moram no meu peito não crescem mais, graças a Deus, mas permanecem ali, prontas para serem relembradas. Não há médico no mundo que consiga extrair aquela coisa ruim.  

Por vezes acho que preciso de você - me acalmando e dizendo que tudo vai ficar bem, criando oportunidades e mostrando que a vida não é só o que minha mente pessimista vislumbra, e sim que vai muito além do meu egoísmo repleto de sofrimento estreito, estúpido, infantil. Mas as lembranças, aquelas que escapam vez ou outra, sempre dilaceram minha alma e me distanciam de você. Sou fraca, você sabe, sempre soube. O bem que você me fez, frequente e quase diário, se perdeu em algum lugar no instante em que houve o desapontamento. Aquele momento difícil no qual você me ensinou a viver sem criar ilusões das coisas e pessoas. Sem criar a ilusão de rótulos de amizade, amor e ódio. Rótulos não passam de truques da nossa mente, a verdade é bem mais complexa.

Com você, aprendi a não amar mais ninguém.


© Escreva carla, escreva
Maira Gall